top of page

A superação e as amizades construídas

  • Foto do escritor: arthur azevedo
    arthur azevedo
  • 18 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 4 de ago.

ree

Uma noite sono, umas pílulas de acetaminofeno fazem um milagre bem grande. Tudo bem que meu corpo estava acostumado a ser surrado e voltar no dia seguinte com uma certa resiliência. Mas o fato é que eu acordava como se nada tivesse acontecido. Se não fosse pelas bolhas no peito do pé, que incomodavam bem, estava zerado. À propósito, além das bolhas no peito do pé, habilmente tratadas pelos médicos, tive também uma no mindinho do pé esquerdo. Como sempre chegava tarde, não quis incomodar os médicos e tratei eu mesmo. Peguei um alfinete, passei álcool, furei e drenei a danada. Mas fiz uma bobagem. Em vez de colocar um esparadrapo mais leve, coloquei o tal rock tape, que é super grosseiro e grudento. Pois é, fui remover, saiu a pele junto e ficou mega sensível. Aí não teve jeito, os médicos californianos resolveram a minha situação. Eles eram muito legais, todos jovens. Brincava muito com eles dizendo: “quem diria, vocês fizeram medicina na Califórnia para ficar cuidando da bolha de um brasileiro, no meio do deserto”. Mas eles eram espetaculares, sempre!


Quanto ao sono, esse foi outra questão à parte. Para economizar peso e espaço na mochila, deixei meu sleeping pad para trás. O problema é que a maior parte dos acampamentos era em terreno com bastante rochas e pedras no chão. Portanto, achar uma posição cômoda era complicado e acabava “montando” de bruços em uma saliência no chão. As idas ao banheiro durante a noite eram frequentes, afinal, tomávamos muita água, e, à noite, o corpo parecia equilibrar toda aquela química. Era uma novela: acordava, resistia até o último momento, saía do saco de dormir, acendia a lanterna, tentava não acordar os amigos que estavam juntos na mesma tenda, saía com aquele andar de bêbado, procurava o chinelo, achava o chinelo e lá ia ao banheiro químico. Depois, lavava as mãos no álcool em gel e fazia o caminho de volta. Mas, até aqui, tem algo muito especial. Nessas horas, podíamos parar, olhar para cima e ver o céu do Deserto, sem uma única nuvem, sem poluição e sem nenhuma luz em terra para roubar o brilho do firmamento sobre nós. Vê-se tudo, tudo mesmo. A Via Láctea linda, as estrelas. Procurava sempre o Cruzeiro do Sul, que dava uma sensação de casa.


A marcha longa é um capítulo à parte nestas séries da Racing the Planet. São, aproximadamente, 80 km em uma única puxada. Para alguns alta performance, o trajeto é coberto em bem menos de 12h ou algo que o valha. Para a turma do fim da manada, onde era o meu lugar, isso pode chegar a durar 24/25h, ou seja, viramos a noite caminhando no Deserto, com as nossas lanternas de cabeça ligadas, procurando as bandeirinhas que definem o nosso caminho. Nesse dia, tivemos uma parada obrigatória de uma hora, às 12h, devido ao calor, e uma parada opcional de até três horas, no ponto de controle número 5, onde tínhamos acesso à água quente para preparar nossa refeição e a uma tenda para uma cochilada. Outra surpresa (que eu já sabia, mas tinha esquecido) foi uma coca cola no ponto de controle número 4. Aquilo era uma dádiva dos deuses. Tomei cada gotinha com o maior prazer do mundo. Algo raro e inestimável no Deserto. Hoje, abro a geladeira e vejo várias latinhas lá e me pego pensando: nada como a escassez para fazer a gente colocar as coisas em perspectiva e entender que a gente não precisa de tanto para ser feliz.


Era o momento crucial da prova, quando que você começava a ter a noção se seria capaz de completar os 250 km. À medida que fazia os pequenos progressos de 10 km, o dia ia passando, o sol se pondo e continuava de pé e seguindo em frente, vinha aquela sensação: “Meu Deus, isso está acontecendo mesmo, e eu posso chegar lá”. Mas o interessante era que, se em um momento você estava exuberante, no seguinte você estava péssimo, depressivo, com vontade de se sentar no chão e chorar. 


Aqui, aprendi sobre o "cuidar das emoções". Aproveitava e vivia o momento de alta, sabendo que não ia durar para sempre. Me segurava como dava no momento de baixa e, mais importante de tudo, não parava, pois ele também passaria. Na vida, muitas vezes, o importante mesmo é não parar!


Eu fiz uma grande amizade lá. Nós nos conhecemos na subida de um trecho particularmente difícil, com muitas rochas e estava em um desses momentos down. Fizemos a corrida juntos, passo a passo, conversando. Foi aí que eu vi o quanto este suporte foi importante para mim e para ela. Ter alguém para rir e chorar juntos, dividir histórias da vida, da família, ou simplesmente para caminhar em silêncio ao seu lado, foi a diferença entre completar um dos maiores desafios que já enfrentei, ou ficar pelo caminho e carregar um arrependimento que me marcaria para sempre. Afinal, é como se diz: a dor é temporária, mas a desistência é para sempre. 


No terceiro dia, quando enfrentamos o maior calor, lembro-me num ponto de controle onde fomos obrigados a parar por três horas. Obrigados entre aspas, pois eu dei graças a Deus por aquele break. No momento de voltar, confesso que não estava pronto. Levantei, coloquei tênis, polainas de volta, coloquei a mochila, e meus olhos se encheram de lágrimas. Minha amiga não viu, mas uma das voluntárias notou. Ela veio até mim e me perguntou: “Você sabe o quanto esta corrida é importante para ela? Você sabe que sem você ela não vai conseguir? Você quer que ela complete a corrida?” Disse sim para as três perguntas. Ela disse: “Ela precisa de você. Então, vai”. Não era só eu. Eu não estava sozinho mais. Esta parceria trazia um senso de responsabilidade e cumplicidade que mudava tudo e me deu a força para seguir.


Depois de muita duna, montanhas, leitos de rio, terrenos técnicos, subidas e descidas, engatinhar por túneis e pular sobre aquedutos, ouvimos o doce som do tambor que anunciava a chegada ao acampamento. A participante do primeiro dia, com a mochila de 16 kg, “poderosa”, correndo em nossa frente, e nós dois caminhando. Os últimos a chegar, mas chegando bem, íntegros, felizes. Certos, agora, de que a vitória estava muito perto, afinal, foram, praticamente, 80 km diretos e acumulando 240 km. Só 10 km, agora, após um dia de descanso, separavam-nos do fim. 


Nos vemos na semana que vem! Beijos!

 
 
 

Comentários


bottom of page